O PROFESSOR E O POETA II
CANÇÃO AMIGA
Nelson Marzullo Tangerini
Em dezembro de 1980,
pouco antes do Natal, enviei carta a Carlos Drummond de Andrade, pedindo-lhe
escrevesse Alguma Poesia para mim e aproveitei o ensejo para enviar-lhe alguns
cartões postais (da Revolução de 30) com caricaturas cubistas de meu pai.
O poeta maior não tardou em escrever-me.
Sua missiva, escrita num cartão natalino, desejando-me 1) Bom Natal e 2)
Feliz Ano Novo, trazia um desenho bico-de-pena de João Guimarães Vieira e
um poema seu:
“Uma notícia
irrompe desta árvore
e ganha o mundo:
verde anúncio eterno.
Certo invisível
pássaro presente
murmura uma
esperança a teu ouvido.
Carlos Drummond de Andrade.”
Escrever poesia não é uma
tarefa das mais fáceis. Poeta é aquele que luta arduamente com as
palavras. Quem sai vitorioso, quem
consegue transformar a ganga impura em
arte poética pode considerar-se verdadeiramente um poeta. É preciso penetrar surdamente no reino das palavras.
Eu sabia disto, mas não
queria acreditar. Elegante, o poeta me
ensina:
“Perdoe, Nelson Tangerini,
se ainda não fiz o poema que pediu. Mas nem sempre é fácil fazer uma poesia
para atender a uma solicitação amiga. A poesia não tem hora para surgir, e às
vezes não vem quando esperada. Um dia, ela chegando, não deixarei de pô-la no
papel, para você.
Meu amigo Álvaro Cotrim (o
caricaturista Álvarus) interessou-se muito pelos trabalhos de seu pai, que
mostrei a ele. E gostaria de ter contato com você. Pode telefonar para... ,
chamando-o?
Os melhores votos e o abraço do
Carlos
Drummond de Andrade”.
“Solicitação amiga”? então o
poeta me considerava seu amigo? Passei algumas horas a meditar. Seria mesmo
importante ganhar uma poesia do gauche de
Itabira? A cartinha de Drummond, carregada de poesia, mais uma vez enchia-me de
alegria e coragem para continuar lutando pelo reconhecimento dos trabalhos de
meu saudoso e talentoso pai.
Telefonei para Álvarus. Apresentei-me
como o filho do Nestor Tangerini. Combinamos um horário e uma data para a
visita. Fui até sua casa, na Gávea, e o caricaturista, que foi também o maior
colecionador de caricaturas da América do Sul, recebeu-me com muita atenção.
Seus grandes bigodes me impressionaram. Cotrim já ouvira falar de Tangerini.
Disse-me achar muito interessantes as suas caricaturas cubistas. Pretendia
escrever algo para o Boletim da ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Mas
logo depois o artista faleceria e a crônica ficaria por ser escrita.
Acompanha esta crônica uma
caricatura do “Gigante paraibano”, João Pessoa, feita por Nestor Tangerini.
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