O PROFESSOR E O POETA
AO
PREZADO NELSON TANGERINI
Nelson Marzullo Tangerini
Em setembro de 1980, iniciei
uma pequena correspondência com o modernista Carlos Drummond de Andrade. A
princípio, estava mais interessado em Mário de Andrade, em Oswald, em Manuel Bandeira
e em assuntos ligados ao Modernismo. Nem me passou pela cabeça “tietar” o poeta
itabirano. Sou desorganizado, um péssimo missivista, e não sei precisar o dia
em que lhe escrevi minha primeira carta. Nem guardei cópia da referida missiva.
Sei apenas que enviei a Drummond alguns
sonetos do meu pai e alguns poemas meus. Como não consigo lembrar-me dos meus
poemas enviados ao “poeta maior”, publico apenas os dois sonetos de Nestor
Tangerini, meu pai. “Cenas do Rio” foi o primeiro trabalho de Tangerini
publicado em letra de forma e lançado por Humberto de Campos, a 18/3/1922, em
centro de página da revista “A Maçã”, que o magnífico e saudoso Acadêmico e
beletrista maranhense dirigia sob o pseudônimo de Conselheiro XX. O soneto,
dedicado ao amigo Luiz Leitão, um poeta satírico de Niterói, RJ, mostra-nos
claramente uma poesia parnasiana com intenções modernistas.
“CENAS DO RIO
Certa dama estava em
paz
no ponto, esperando o
bonde,
quando se chega um
rapaz,
a quem, zangada,
responde:
Deixe-se, moço, de
graça!
Insiste o moço: - Onde
mora?...
- Meu Deus! Que horror!
- Que desgraça! Se vem
meu marido agora!...
E a dama, que o caso teme,
diz-lhe, logo, ansiosamente:
“Me” deixe... Moro no
Leme...
“Me” deixe!... Sou dona
Ivete...
moro à rua São Vicente...
- “Me” deixe... No trinta e sete...”
“QUANDO ELA PASSA
Quando Ela passa, de
sombrinha clara,
essa da Moda,
esplendorosa Estrela,
pára o automóvel, pára
o bonde, pára
o mundo inteiro: todos
querem vê-la..
E todo mundo, estático,
escancara
os olhos grandes, que
se aumentam pela
vontade de envolver-lhe
a forma rara
num desejo malvado de comê-la...
E a deusa passa... E
passa – indiferente,
sem medo de que o mundo
se desabe...
bailando as curvas,
desmanchando a gente...
E a gente fica a interrogar-se,
à-toa,
como, em dois dedos de
vestido, cabe
uma porção de tanta
coisa boa!...”
Dias
depois, sem que eu esperasse, uma cartinha de Carlos Drummond de Andrade
repousava em minha caixa postal. Jamais pude imaginar que o poeta me escreveria.
Não me contive. Ali mesmo, na Agência Central, Av. 1o. de Março,
afoito, abri o envelope e li sua amável missiva:
“Rio, 28 de setembro,
1980.
Ao prezado Nelson
Tangerini.
Com um abraço, meu agradecimento
pela remessa de seus poemas e de alguns textos poéticos de seu pai, tão
justamente lembrado pelo carinho filial.
Carlos Drummond de
Andrade”.
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