LIMA BARRETO

 

O SUBÚRBIO E LIMA BARRETO

 

Nelson Marzullo Tangerini.

                                                                           

               Em “Clara dos Anos”, Lima Barreto escreveu que “O subúrbio é um refúgio dos infelizes. Os que perderam o emprego, as fortunas, os que faliram nos negócios, enfim, todos os que perderam a sua situação vão-se aninhar ali”.

               Affonso Henriques Lima Barreto nasceu a 13 de maio de 1881, passou a infância e a adolescência na Ilha do Governador e viveu, posteriormente,  uma vida plenamente suburbana no bairro de Todos os Santos, perto do Méier. Negro, suburbano e anarquista, “enquadrado” como um escritor pré-modernista, propôs uma nova arte literária, avessa à literatura burguesa vigente em sua época.

               Mas o subúrbio, apesar dos reveses, do esquecimento, deixou nomes importantes na música ou na literatura brasileira: Cruz e Sousa (Encantado), Noel Rosa (Vila Isabel), Cecília Meireles (Estácio), Pixinguinha (Olaria), Ataúlfo Alves e Ataulfinho (Piedade), Benedito Lacerda (Estácio), Aldo Cabral (Engenho Novo), Cartola (Mangueira), Nestor Tangerini (Piedade), Antônia Marzullo (Piedade), Dona Ivone Lara (Oswaldo Cruz), Elza Soares (Água Santa), Joel Rufino (Cascadura), Vera Verão (Encantado), Aracy de Almeida (Encantado), Martinho da Vila (Vila Isabel), Paulinho da Viola (Oswaldo Cruz), Hermeto Paschoal (Bangu), Jorge Bem Jor (Rio Comprido), Cassiano (Rio Comprido), Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Tim Maia (Tijuca), Suburblues (Méier), Renato Barros, do Renato e Seus Blue Cats (Piedade), Tom Farias (Realengo) e tantos outros que possa ter esquecido aqui.

               E é indiscutível que muita coisa mudou de lá para cá. Mas ainda sofremos com o esquecimento. Quem mora do outro lado do túnel, assim como os que moram do outro lado da ponte,  sofre o mesmo preconceito.

               Escrevi uma canção, intitulada Blues do Méier,  de parceria com Maurício Silveira (do Suburblues) e Marcelo Guapiassu  que mostra um pouco de nossas vidas: “Ruas escuras, esquinas sem luz. Almas perdidas carregam sua Cruz (...)”.  Registrada com pseudônimos (Tanger, Guapa e Silverado), a canção continua inédita, em virtude do falecimento precoce de nosso amigo Maurício. E foi Maurício que me sugeriu que eu escrevesse alguma coisa a partir desse fragmento de Clara dos Anjos.

               Sobre o Méier, me vem à mente os momentos em que passeava de bonde pela Rua Dias da Cruz, no Méier.

               Depois de mais de 60 anos, ainda posso ouvir o barulho do bonde correndo nos trilhos – até Piedade, onde descíamos, na Rua Clarimundo de Melo. No calor, a viagem era refrescante; no frio, tínhamos que andar bem agasalhados.

               Gosto da vida suburbana, da vida simples, dessas pessoas simples que passam por mim a todo instante na feira do Encantado, no Mercadão de Madureira, na farmácia, na padaria ou no mercado, em Piedade.

               Muitas vezes, ao sair do colégio onde leciono, no Méier,  frequentei uma padaria no Largo das 5 bocas, em Olaria. Ali, comprava o melhor bolo de milho da cidade, um bolo de milho que me fazia lembrar do bolo de minha mãe. Infelizmente, a padaria se tornou mais hortifrutti nesta cidade, repleta de hortifruttis e igrejas evangélicas.

               Se vivo estivesse, Lima Barreto veria e escreveria sobre a evolução que teve o subúrbio: lojas vendendo roupas boas, caras e restaurantes sofisticados, enquanto mendigos maltrapilhos e famintos passam fome e nos estendem a mão para comprar comida ou droga. À noite, essa gente excluída dorme sob passarelas, pontes ou marquises, sob a guarda de seus cães.

               Major Quaresma, de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, tão nacionalista, amante das Modinhas, certamente enlouqueceria de vez, ao ouvir o som do funk, do rap, do trap, do charme, tão americanos, que tomou conta da cidade.

               Fico a imaginar o que Lima Barreto, que faleceu a 1 de novembro de 1922,  escreveria a respeito da nova face do subúrbio do Rio de Janeiro.

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