A VIAGEM

 

A VIAGEM DE FERNANDO

 

Nelson Marzullo Tangerini

 

          A minha viagem era longa, até ao local de trabalho - caísse chuva, fizesse frio ou calor. Como sempre, saí bem cedo de casa, uma vez que lecionava numa escola no interior do Estado do Rio de Janeiro. Pegava dois ônibus; muitas vezes, um ônibus e uma  van.

           Ao chegar à escola, fiquei sabendo que um dos alunos, um menino tranquilo e educado, desmaiara dentro da escola. Levado para o hospital mais próximo, pela diretora, suspeitamos que Fernando – vou chama-lo assim –  havia se drogado.

           Muito tempo passou fora do ar, quase todo o dia, até abrir os olhos e descrever sua loucura: havia tomado um calmante fortíssimo e cheirado cocaína.

           Seus pais, trabalhadores humildes, foram comunicados e tiveram de comparecer ao hospital. E, depois, foram convidados para uma reunião com a direção da escola.

             Ficamos sabendo, então, pelo aluno, que, naquela época, maconha e cocaína eram vendidos na porta de nosso estabelecimento de ensino. E esta era, talvez, a razão de alguns alunos dormirem em sala de aula. A direção procurou proteger a integridade de Fernando e seu depoimento foi guardado a sete chaves.

              Passado o grande susto, Fernando voltou às aulas, com a mesma dedicação de sempre, demonstrando que superaria o trágico acontecimento. Era um bom garoto, respeitava os professores e aceitaria a nossa preocupação.

              Dias depois, a vice-diretora me chamou para conversar. Ela pediria que eu conversasse pessoalmente com o aluno que havia se drogado. Ela sugeria que eu passasse um trabalho para a turma enquanto dava atenção especial àquele aluno. Topei a empreitada, que era, para mim, um grande desafio, uma grande realidade.

               Em sala, a sós, dirigi-me  a Fernando, dizendo-lhe que gostaria de ter uma conversa de homem para homem com ele, porque não achava correto o que ele estava fazendo com seus país: um motorista de ônibus e uma empregada doméstica, que lutavam com muita dificuldade. E fui mais além, enumerando uma série de danos que as drogas fazem ao ser humano, incluindo a morte.

                  Não demorou muito e seu pai me procurou na escola para agradecer-me pela dura conversar que tivera com seu filho.

                    O tempo passou, Fernando mergulhou de cabeça nos estudos, afastou-se daqueles que julgava ser seus amigos e os  formou-se.

                     Não estive em sua formatura, pois tive deixar a escola do interior e procurar outra, na capital, para ficar mais perto de minha mãe, já bastante idosa.

                          Mas Fernando não se esqueceu de mim e me procurou no Orkut -para deixar  uma belíssimas e sincera mensagem, relatando o que ocorrera com ele, naquele dia, me agradecendo pelas palavras duras, francas e amigas e me dando a notícia de que ele era um cidadão de bem, que não usava mais drogas, que seguiu meus conselhos  e que trabalhava e cursava uma universidade.

                           Infelizmente, não copiei a mensagem do Orkut, que agora figura apenas em minha lembrança. E nunca mais tive contato com o Fernando, que, a esta altura, já deve estar casado e com filhos – e falando de mim com eles. Talvez nos vejamos um dia – quem sabe! – para conversarmos num outro tom, como amigos. Ele me mostrando sua vida nova, sua nova família e falando de seu trabalho.

                            Boa sorte, Fernando, onde quer que você esteja neste imenso Planeta Terra!

                            

                    

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MISS FLUMINENSE

ANNE FRANK 1

VENUS DE MILLUS