ÁFRICA
A ÁFRICA TÃO
PERTO DE NÓS
Nelson
Marzullo Tangerini
Quando uma pessoa tem
consciência de História, percebe, com lucidez, que a África não está tão
distante de nós, apesar de o continente africano estar do outro lado do vasto Oceano Atlântico. Ele
está dentro de nós, ainda que sua pele se apresente como branca.
Lamentavelmente, no Brasil,
muitos ainda querem ter aparência europeia, ou esconder um parente
afrodescendente distante por conta dos anos, como aconteceu com Rufina de
Oliveira Soares, uma de minhas bisavós
maternas, casada como meu bisavô português Manuel Gomes Soares. Sua fotografia
sumiu (sumiu?), misteriosamente, para todo o sempre.
Descendente de um longínquo marroquino, o sr. Assuf
Tangerini deixou-me este sobrenome africano que ora carrego. Do Marrocos, norte
da África, talvez de Tânger, Assuf foi tentar a vida na Itália, onde se casou
com uma italiana. E dele, vieram Vicenzo, Vittorio, Nestor e Nelson.
O sangue da bisavó, depois de
sucessivas miscigenações, está ali, em nós, correndo vivo, viajando, seguindo o
seu destino e continuando a existir em gerações futuras, mesmo que este futuro
seja nebuloso para a humanidade – principalmente, para quem veio ao mundo com a
pele negra.
Meus alunos do Colégio Estadual
Antônio Houaiss, certo dia, prepararam-se para uma feira de literária, cujo
tema era a mulher na literatura – não como personagem, mas como escritora, com
sua escrita, com seus pensamentos.
A turma 1019, especificamente,
trabalhou com escritoras afrodescendentes (sugestão minha), como Carolina Maria
de Jesus, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, Eliana Alves Cruz, Elisa
Lucinda, entre outras – do passado e do presente.
De minha parte, há muito venho
lendo e observando os escritores afrodescendente – principalmente, as escritoras – e suas lutas
pela recuperação de sua história – que só eles sabem e saberão reescrever.
É preciso varrer da literatura e
da história, portanto, toda e qualquer fantasia romantizada que tenha sido
escrita com o intuito de descaracterizar ou minimizar o sofrimento e a luta de
um povo caçado, barbaramente escravizado e mal retratado por pesquisadores
supremacistas ou ainda presos ao racismo estrutural. Ou escritores com vícios
europeizantes.
Através dessa literatura, os
escritores afrodescendente vão dando uma
cara nova a um país miscigenado e tão próximo do distante continente
africano. É a verdadeira história de um
povo que sente na pele, em pleno século 21, o peso da discriminação de cada
dia.
A prova mais “clara” disso é um gesto
supremacista de um ministro do atual
governo, hoje afastado, que, fingindo ajeitar sua gravata, acabou por se
retratar em cadeia nacional.
Seu chefe supremo, o presidente
negacionista, que hoje diz que os professores atrapalham o desenvolvimento do
Brasil, declarou, certa vez, que os portugueses jamais estiveram na África, o que
nos leva a crer que os africanos vieram fazer turismo no Brasil – desfrutar de
nossas praias paradisíacas - ou procurar emprego bem remunerado, com carteira
assinada, numa fazenda de nosso querido Brasil, que continua sendo um gigante
adormecido; melhor, anestesiado.
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