ANNE FRANK 2

 

A VIDA BREVE E INTENSA DE ANNE FRANK

 

Nelson Marzullo Tangerini

 

               Foi mesmo preciso reler Anne Frank, após 40 anos, quando me aproximo dos 70, para ver o holocausto com os olhos críticos da maturidade.

               Anne, que na verdade se chamava Annelies  Marie Frank, nasceu em Frankfurt am Main, Alemanha, a 12 de julho de 1929. Ainda criança, mudou-se para Amsterdã, Holanda, com os pais e a irmã.

               A autora do Diário, que desejava ser jornalista e escritora, foi capturada, aos 14 anos,  pela SS e enviada para o campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha, onde veio a ser assassinada, em fevereiro de 1945.

               Apaixonada por literatura, jornalismo e história, vivia mergulhada em livros diversos.

               Recorto, aqui, um momento em que ela lê, num livro de História, uma breve passagem sobre o Brasil [Carta escrita no domingo de manhã, pouco antes das 11 horas, no dia 16 de abril de 1944, ano em que as tropas aliadas desembarcavam na Normandia).

               É profundo o seu sentimento humano, tão importante para a carreira de um grande escritor:

               “Depois li sobre o Brasil: o tabaco da Bahia, a abundância do café, o milhão e meio de habitantes do Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo. O Rio Amazonas. Fiquei sabendo coisas dos negros, dos brancos, das mulheres, dos mulatos, dos mestiços; soube também que ainda vivem por lá cinquenta por cento de analfabetos e que há malária”.

               1944. Talvez possamos imaginar a visão dos europeus sobre o exótico país em que vivemos, principalmente sobre a Amazônia, sempre vista como um “inferno verde”. Mas, sobre os negros, os mestiços, os mulatos e as mulheres, sabemos bem que pouca coisa mudou para essas pessoas, de lá para cá.

               E continuo pensando, com os meus botões, sobre o que seria a Anne Frank escritora ou jornalista que pensava, aos 15 anos,  um novo destino para as mulheres. Em sua alma, um projeto feminista já se desenvolvia com rapidez. Era inteligente, independente, questionadora e perspicaz. Sonhava alto.

               No Diário, por exemplo, ficamos sabendo que Anne escreveu ou esboçou alguns contos:

               “Escrevi uma história bonita; chama-se “Blurr, o descobridor do mundo” (Carta de terça-feira, 25 de abril de 1944).

               Em carta escrita em 9 de maio de 1944, terça-feira, Anne volta a falar de outra produção sua e de sua preocupação em trabalhar mais e melhor o seu texto:

               “Acabei de escrever a história “Ellen, a fada”. Passei a limpo em um papel bonito, enfeitei com tinta vermelha e costurei as páginas”.  

               Esses textos, póstumos, foram publicados , futuramente, com outros títulos, “Blurry, o explorador do mundo” e “A fada”, no livro “Contos do esconderijo”, escapando, portanto, e também, da ira doentia dos iletrados nazistas. O Diário, uma obra um tanto intimista, e seus contos, portanto, estavam em local bem guardado. Ao que nos parece, Anne desejava que alguém descobrisse seus escritos, embora nutrisse a esperança de uma vitória dos aliados sobre os nazistas.  Sabia ela que este valioso documento seria um documento histórico sobre a invasão alemã na Holanda e o holocausto?

               Muitos outros escritores, em idade adulta, foram presos ou mortos, como foi o caso do poeta espanhol Federico García Lorca (* Fuente Vaqueros, Andaluzia, 5 de julho de 1898 - + Granada, 18 de agosto de 1938), morto  pelos fascistas.

               Inimigos da democracia e da liberdade, nazistas e fascistas sustentam até hoje a tese autoritária de que a democracia é uma forma de governo que não dá certo e que o ser humano precisa de regimes fortes. Fundamentalistas, defendem o moralismo, o nacionalismo, a xenofobia e a pureza da raça. Odeiam a cultura e a educação e investem firme na venda e proliferação de armas de fogo. Deus estaria acima de tudo, para defender seus arroubos autoritários.

               Há que se escrever sobre os livros lidos por Anne Frank, enquanto moradora de um esconderijo, onde enfrentava uma vida dura ao lado de outros judeus constantemente assustados e preocupados com suas vidas e suas famílias.

               Aquela doce menina de Frankfurt acreditava, no fundo, que a literatura tinha o poder de humanizar o homem, a ponto de torná-lo menos violento. Aliás, todos nós, escritores, sonhamos o mesmo sonho, ainda que muitos ditadores da atualidade sonhem em se tornar donos da vida alheia, pensando poderem promover um novo holocausto.

               Certamente, voltarei a reler o Diário e os Contos de Anne Frank outras tantas vezes, na esperança de encontrar, ali, o combustível para entender, não só “As origens do autoritarismo”, mas também essa paixão pela literatura, que se agita dentro de mim desde a infância.

 

 

              

              

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