AVE MARÍLIA II
AVE MARÍLIA
II
Nelson
Marzullo Tangerini
Tardiamente,
descobri o Correio da Lavoura. Ignorância da minha parte. Referências sobre este
jornal apareceram no livro “A Baixada Fluminense e a Ditadura Militar –
Movimentos sociais, repressão e poder local”, Organização de Jean Sales e
Alexandre Fortes, Editora Prismas, 2016. Foi quando tive a oportunidade de me
informar mais sobre a Baixada Fluminense, a resistência ao golpe de 1964, e a Dom
Adriano Hipólito, Bispo de Nova Iguaçu, homem reto, perseguido injustamente pela
ditadura.
Em minha
primeira crônica, para este jornal histórico, “Ave Marilia!”, revelei a minha revolta
e a minha sinceridade, relatando a
perseguição pela qual passamos, minha mãe e eu, quando Marília Pêra apoiava
Fernando Collor de Mello. Para alguns, prevaleceu a ideia de que estaria
fazendo um discurso da direita ou da extrema-direita, o que causou um mal estar
entre amigos.
Quem me
conhece, sabe muito bem que me oponho a qualquer ditadura, seja ela religiosa,
de direita, de extrema-direita, de esquerda ou de extrema-esquerda. Porque
creio firmemente que o ser humano só poderá evoluir, intelectualmente, em
liberdade.
Marília
Pêra, minha prima, foi brutalmente espancada dentro de um teatro, em São Paulo,
Capital, quando trabalhava na peça “Roda-Viva”, de Chico Buarque de Hollanda. Agentes
da repressão invadiram o teatro, espancado artistas e destruindo cenários, o
que deixou nossa família preocupada.
Ironia
do destino, a atriz acabou sendo perseguida porque apoiara “O caçador de
marajás”, que viria a “cair”, depois de um mar de corrupção ser revelado. Opção
dela. Em suas biografias, a atriz relatou seu arrependimento.
Ao se
eleger presidente do Brasil, pela primeira vez, Luís Inácio Lula da Silva
convidou Marília para a sua posse, pondo fim, definitivamente, nessa guerrinha
irracional contra a atriz.
Quando
falo sobre Jorge Luís Borges, por exemplo, alguns amigos torcem o nariz e falam
que Borges era de direita, não compreendendo, portanto, que o argentino foi um
dos maiores escritores do mundo, embora não tenha sido agraciado com um “Prêmio
Nobel de Literatura”.
Na minha
cabeça – e eu não a uso para exibir boné ou chapéu -, repito, o autoritarismo,
venha de onde vier, será sempre um atraso intelectual para a humanidade.
O livro
em questão, sobre a Baixada, me fez lembrar, também, de minha infância em Morro
Agudo, bairro de Nova Iguaçu, na casa de uma amiga de minha mãe, a senhora
Maria Amália de Azevedo, a Dindinha, sócia do Vasquinho, clube que ficava na esquina
da rua onde morava.
Minha
mãe e eu viajávamos da gare do Engenho de Dentro, Rio, em direção a Morro
Agudo, na época um local quase deserto, bucólico. Volta e meia o trem parava na
divisa entre os antigos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, quando
soldados armados, atentos e mal humorados percorriam todos os vagões à procura
de comunistas. Mal sabia, que, na Baixada Fluminense, havia uma resistência à Revolução
Redentora de 1964 (assim chamada pelos vencedores) e ao autoritarismo que veio
logo em seguida, ceifando vidas – opositores que, em muitos dos casos, jamais
foram encontrados.
Uma
bomba explodiu na Catedral de Nova Iguaçu; Dom Adriano Hipólito foi
sequestrado, espancado e deixado nu em Jacarepaguá, no Rio.
O que
esperamos é que o Brasil encontre o caminho para a democracia, inventada pelos
atenienses. Porque o negacionismo e o radicalismo, religioso, de esquerda ou de
direita, não trazem progresso algum para a humanidade, cansada de tantos crimes
– em nome do Estado ou da religião.
Liberdade sempre!
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