BILAC
DOIS
SONETOS DE BILAC
Nelson Marzullo Tangerini
Um dia desses, em sala de
aula, no Colégio Estadual Antônio Houaiss, onde leciono, a inspiração tomou-me
por inteiro.
Falava a meus alunos sobre
como a Era Clássica, o Classicismo [o
Renascimento] e o Arcadismo haviam influenciado o Parnasianismo de Olavo Bilac,
Alberto de Oliveira e Raimundo Correia.
A inspiração tomou-me por
inteiro, sim, porque, apaixonado pelo tema, pela literatura, falei da Língua
Portuguesa, de Camões e de Tomás Antônio Gonzaga.
Fiz como Fernando Pessoa e
retomei o tema “Navegar é preciso; viver não é preciso”.
Não acredito que os
parnasianos tenham se perdido no preciosismo da linguagem clássica, como dizem
os livros; que tenham, embriagados de mitologia greco-romana, se afastado do
mundo dos “mortais” – a tríade acima era Imortal; eram, Bilac, Alberto e
Correia, da Academia Brasileira de Letras, fundada pelo Mestre Machado de
Assis.
Para ser um poeta, um escritor,
disse-lhes, é preciso ter conhecimento de história, geografia, de filosofia e
de Língua Portuguesa. E vejam que preciosidade: num soneto decassílabo, Bilac
fala da origem humilde da Língua Portuguesa, nascida do Latim Vulgar, de sua
latinidade, do Lácio, berço do Império Romano; dos rudes e valentes lusitanos
chefiados pelo grande herói Viriato; da indecifrável saudade que sentimos; dos
navegantes portugueses; do esplendor e do declínio do Império Português e do exílio
de Luís Vaz de Camões no Oriente, mais precisamente em Macau, antiga China
Portuguesa.
Este idioma, que tem o som
das tempestades marítimas e do mar roçando nossas naus – “O mar é portuguez”,
escreveu Pessoa - os portugueses dominaram e domaram o mar – foi “tanto mar”,
foi tanto tempo no mar, que o som do mar impregnou-se em nossa língua –,
mereceu este belo soneto, uma declaração de amor, de Olavo Brás Martins dos
Guimarães Bilac:
“LÍNGUA PORTUGUESA
Última flor do Lácio,
inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor
e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga
impura,
A bruta mina entre os
cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida
e obscura,
Tuba de alto clangor, lira
singela,
Que tens o trom e o silvo
da procela,
E o arrolo da saudade e da
ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de
oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso
idioma,
Em que da voz materna
ouvi: “meu filho”
E em que Camões chorou, no
exílio amargo,
O gênio sem ventura e o
amor sem brilho!”
...
Bilac, desbravador de
palavras, entra também em virgens selvas e vai a Ouro Preto, interior das Minas
Gerais, para buscar inspiração no Arcadismo – como o Parnasianismo, também cria
do Classicismo - e saudar a luta de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes;
Tomás Antônio Gonzaga, o Dirceu de Marília; Cláudio Manuel da Costa; Alvarenga
Peixoto; Padre Rolim e tantos outros que sonharam com a independência do Brasil
de Portugal.
Ali, na velha Vila Rica,
antiga capital mineira, a neblina e a brisa das montanhas de Minas moldam o
nosso rude e doloroso idioma – para português mineiro. E um “Mundo mundo vasto
mundo” se abre para o modernista Carlos Drummond de Andrade; um Grande Sertão
se descortina para João Guimarães Rosa:
“VILA RICA
O ouro fulvo do ocaso as
velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de
ouro, as minas, que a ambição
Na torturada entranha
abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha
como um brasão.
O Ângelo plange ao longe
em doloroso dobre,
O último ouro do sol morre
na cerração.
E, austero, amortalhando a
urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma
extrema-unção.
Agora, para além do cerro,
o céu parece
Feito de um ouro ancião
que o tempo enegreceu...
A neblina, roçando o chão,
cicia, em prece,
Como uma procissão
espectral que se move...
Dobra o sino... Soluça um
verso de Dirceu...
Sobre a triste Ouro Preto
o ouro dos astros chove”.
...
Volto para casa, entro
em meu Orkut e encontro uma mensagem,
deixada por uma aluna:
“Tangerini, o único
professor de Literatura que dá aula sorrindo”.
A aluna, por certo,
registrou aquele momento em que, tomado pelo universo da Literatura, deixei a
felicidade invadir a minha alma lusitana.
Creio, porém, que outros
professores também sorriem quando tomados pelos números, pelos mapas, pelos
fatos históricos, pelas químicas, pelas artes, pelo tecido celular...
Os baixos salários dos
professores muitas vezes nos entristecem. Mas ainda sorrimos. Porque amamos o
que fazemos. Porque, em nossa última célula, ainda existe uma semente de
esperança e cremos num mundo melhor, mais humano, menos amargo e doloroso.
Mas... retomando o “Navegar
é preciso; viver não é preciso”, velho ditado português... Fernando Pessoa toma
para si o tema e o transforma em “criar é preciso; viver não é preciso”...
Criar nos leva a novos
horizontes – em Língua Portuguesa ou não. Criemos, pois, um novo mundo, ainda
que a decepção e o desânimo nos suguem todas as energias.
,
Comentários
Postar um comentário