TANGERINI E O ABACAXI
TANGERINI
E O ABACAXI
Nelson
Marzullo Tangerini
Mesmo não tendo a vista
direita e o braço esquerdo, o sempre bem humorado escritor Nestor Tangerini
costumava fazer humor de tudo – até com amigos, a esposa ou consigo mesmo.
“O rei do doublé-sent”, como o
humorista era chamado, estava conversando, certa vez, com familiares, em sua
casa, em Olaria, quando, de repente, faz brincadeira com a sua maior fã:
“Falávamos sobre o gosto
pelas frutas, quando Dona Dinah toma a palavra:
- Nunca vi gostar tanto de
abacaxi como Tangerini.
E Tangerini, sempre
brincalhão com a esposa:
- Gosto tanto de abacaxi, que me casei.”
Nos Correios, Tangerini
também mexia com todos. Sempre brincalhão, o poeta costumava chamá-los para
tomar uma rubiácia, ou seja, um café, no bar da esquina.
Um amigo seu, de repartição,
não escapou da gozação:
“O colega vivia sempre de
“caveira cheia”. Um dia, porém, foi trabalhar sem haver tomado uma gota de
álcool. E, como espirasse ininterruptamente, vira para Tangerini e diz:
- Estou com uma gripe danada!
E Tangerini, com a maior
naturalidade:
- Quem manda você beber
água?”
A um outro que vivia sempre
“enforcado”, ou melhor, sem dinheiro, Tangerini chamou de “Tiradentes”.
Lembrando dos velhos tempos
de boemia do Café Paris, ao lado dos amigos Luiz Leitão, Brasil dos Reis, René
Descartes de Medeiros, Mazzini Rubano, Olavo Bastos, Luiz de Gonzaga, Apollo
Martins, entre outros, Tangerini comentava:
“No tempo em que dez mil
réis era dinheiro (dava para vinte chopes), Tangerini, quando liso, recorria a
um médico, seu amigo e boêmio como ele, e escrevia um bilhete como este:
“Receita, doutor
Filgueiras,
ao Tangerini, que é pobre
e sofre das algibeiras
dez de sulfato de cobre”.
Tangerini comentava, e isto
chegou a ser publicado na revista Música & Letra, Coluna “Coisas que
encabulam”, do compositor Aldo Cabral, que, uma vez, encontrando-se na rua com
seu ex-professor de matemática, fez troça de si mesmo.
Ao vê-lo sem o braço
esquerdo e a vista direita, o velho mestre, entre impressionado e comovido,
perguntou-lhe:
- O que foi que aconteceu
contigo, Tangerini?
E Tangerini:
- Caro mestre, isto é o que
chamo de redução à unidade.
Quando o mau humor ou o
desânimo rondam minha porta, lembro-me de meu velho pai, que jamais se deixou
levar pelas adversidades da vida.
Talvez, dentro de seu peito
morasse a tristeza, por ter sofrido dois desastres fatais. Artista de refinado
humor, jamais deixou transparecer, para a esposa e os filhos, a dor que,
possivelmente, vivia com dele.
Pouco antes de partir,
Tangerini agradeceu à sua esposa pela companhia e por tudo o que ela fizera por
ele, dizendo:
- Você merecia muito mais
do que eu pude lhe dar.
Para a espirituosa e sempre
sorridente Dinah Marzullo Tangerini, ex-atriz, o marido, pai e amigo lhe deu
tudo: amor, três filhos, poesia [que ela vivia recitando para nós, em casa] e o
humor, uma constante em sua vida.
É o que nos mantém vivos no coração do outro...
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