PENSO, LOGO, NÃO EXISTO
PENSO, LOGO,
NÃO EXISTO
Nelson
Marzullo Tangerini
Penso, logo, não existo.
Contrario o filósofo francês, Descartes, uma vez que estou no Brasil, onde o
pior da música é top e o melhor é soterrado pela mediocridade.
Não quero entrar em atrito com
ninguém, mas sou aquele adolescente que ouviu Bossa Nova, a Jovem Guarda, a
Tropicália e o Clube da Esquina.
Daí a minha paixão pela música
de Caymmi, Tom, Vinícius, João, Roberto & Erasmo, Caetano, Gil, Gal, Bethânia, Os Mutantes, Tayguara,
Gonzaguinha e Milton Nascimento.
A “Janela Lateral” se abria para
um novo mundo, quando ouvi Milton Nascimento & Som Imaginário, que ecoava em nossos corações.
Em belas tardes e estreladas noites,
amigos reunidos escutávamos os mineiros no alto da Rua Cruz e Sousa. Nossas almas
encantadas descobriram o som que vinha das Minas Gerais, em cujas estradas nos
aventuraríamos.
Volta e meia um Raul, que não
fazia parte da linha evolutiva da Música Popular Brasileira, um Tayguara,
uruguaio – brasileiro, ambos
independentes de qualquer significação.
A música cerebral, engajada,
racional, deu lugar às músicas das nádegas, do romantismo piegas, que nos remeteu,
de maneira burra e iletrada, aos Ultrarromânticos, com aquela poesia em que a
morte súbita por tuberculose estava por vir a qualquer momento.
Ali, sentados, olhando a cidade,
ouvindo nobres melodias de Minas e do mundo, preparávamos as nossas próprias
canções – pensadas, elaboradas musical e poeticamente – comprometidas com tempo
em que vivíamos, o tempo nublado e nebuloso que nos cercava. Era o que
tínhamos: violões então serestas, com inteligência e elegância, contra a
irracionalidade, a crueldade dos anos de chumbo.
Hoje, contrariando o filósofo em
questão, penso que não existo, que não existimos – nós que pensávamos ver
muitos séculos de luzes.
A mediocridade se alastra como
erva daninha, enquanto a genialidade – poética e musical – permanece
“emparedada”, para lembrar um texto em prosa do poeta simbolista Cruz e Sousa,
que jorrava luzes através de seus belos sonetos e poemas.
Envelhecemos, isto é verdade.
Mas a chama da revolta juvenil continua acesa. Não vimos ainda a luz no final
do túnel, nós que vivíamos e vivemos do outro lado do túnel. “Subúrbio, morada
dos infelizes”, escreveu Lima Barreto.
O que foi feito da “Canção do
novo mundo”, que não veio. Essa canção proposta por Beto Guedes, cabia tão bem
dentro de nós, longe do mar, em meio a montanhas como povo de Minas.
A porca do fascismo
(identificada em Cálice, canção de Chico Buarque e Gilberto Gil, cantada por
Chico e Milton) e o vírus da mediocridade nos amedrontam, nos intimidam, mesmo
que o tresloucado capitão tenha sido derrotado nas urnas e esteja inelegível.
Nunca foi tão difícil fazer música de qualidade nesses últimos anos. “Que tal
um samba?” é a nova proposta de Chico Buarque, agraciado, alguns anos atrás,
com o Prémio Camões.
“De tudo se faz canção”, mas a
música que ouço, sem instrumentos musicais, nos mostra que ela está morrendo,
ao som estridente dos computadores.
Quero ouvir e ver piano,
guitarras, violão, baixo, bateria. Ou nunca poderei chamar isto de música, que
sempre foi a arte de combinar os sons – leia-se os sons dos instrumentos
musicais.
Um pássaro livre, canoro, sem
computadores, gorjeia (“não gorjeiam como lá”), no alto das árvores da floresta,
para homenagear O. Messiaen, Gonçalves
Dias e Tom Jobim & Chico – autores de Sabiá.
Penso, logo, não existo!
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