ZÉ BACURAU, POETA BAIANO
PARODIANDO
CASIMIRO DE ABREU
Nelson Marzullo Tangerini
Em meu
livro “Nestor Tangerini e o Café Paris, publico paródias de dois poetas satíricos
do Café Paris, movimento literário fluminense
(2ª Geração parnasiana) que aconteceu em Niterói, ex-capital do Estado do Rio
de Janeiro, nos anos 1920: Luiz Leitão e Nestor Tangerini, exímios “parodiadores”,
muitas vezes plagiados.
Plágio é
uma apropriação desonesta do texto de um autor; Paródia é uma criação
inteligente a partir de um texto já existente.
Oswald
de Andrade e Murilo Mendes, modernistas, também utilizaram a paródia, para intertextualizar
textos de outros poetas, geralmente de poetas de períodos anteriores.
Zé
Bacurau (pseudônimo de Lourival Reis), poeta satírico baiano, em texto que
publicamos nesta crônica, faz uma paródia hilariante de “Meus oito anos”, poema
do fluminense Casimiro de Abreu.
Para
quem não sabe, Lourival Reis foi poeta baiano. Junto com seu dileto amigo
Nestor Tangerini, fundou, em 1947, a revista de humor e sátira O Espeto.
Eis a
sua paródia, em estilo modernista, quiçá Oswaldiano:
“QUI SODADE!
QUI SODADE!
Ó que sodade
qui eu tenho
Dos meus tempo
de guri!
Qui eu
apanhava siri
Correndo pra
todo lado,
De cara suja
e rasgado!
...
Qui sodade!
Qui sodade!
Daquelas
tardes faguêra,
Das sombras
das bananêra,
Do Araiá do
Pau Fincado!
...
Daqueles
tempos ditoso,
Qui eu
apanhava pitanga,
Trepado nos
pé de manga,
Chupando
cana e mamão,
De camisa e
pé no chão!
...
Qui sodade
do meu tempo,
Qui as
moçaiada bonita
Me dava laço
de fita
Me sujava de
carmim,
E qui eu
achava ruim.
...
Qui sodade! Qui
sodade!
Ó como os
tempo varia!
Das moçaiada
eu fugia,
E são elas
oje em dia,
Que corre e
foge de mim.
(Publicado
na revista O Espeto,
Rio de
Janeiro de 1948, p. 15, no. 7)
Lourival Reis Maia, radialista, locutor,
radio-ator, humorista, escritor, poeta e jornalista, nasceu em Salvador, BA, a
11.11.1905, e faleceu, sem São Paulo, Capital, em 1994.
Como ator, trabalhou nos filmes
“Da guitarra ao violão” (1942) e “O viúvo alegre” (1961).
É autor do livro de poesias
“Arraiá do Pau Fincado”, todo ele escrito em baianês e apresentado,
primeiramente, nas páginas da revista O Espêto.
Abaixo, “Meus oito anos”, poema
de Casimiro de Abreu, escrito em Lisboa, em 1857, e publicado no livro “As
primaveras” , em 1859.
“Oh!
souvenirs! printemps! aurores!
V. HUGO.
Oh! que
saudades que tenho
Da aurora da
minha vida,
Da minha
infância querida
Que os anos
não trazem mais!
Que amor,
que sonhos, que flores,
Naquelas
tardes fagueiras
À sombra das
bananeiras,
Debaixo dos
laranjais!
Como são
belos os dias
Do despontar
da existência!
— Respira a
alma inocência
Como
perfumes a flor;
O mar é —
lago sereno,
O céu — um
manto azulado,
O mundo — um
sonho dourado,
A vida — um
hino d'amor!
Que auroras,
que sol, que vida,
Que noites
de melodia
Naquela doce
alegria,
Naquele
ingênuo folgar!
O céu
bordado d'estrelas,
A terra de
aromas cheia,
As ondas
beijando a areia
E a lua
beijando o mar!
Oh! dias da
minha infância!
Oh! meu céu
de primavera!
Que doce a
vida não era
Nessa
risonha manhã!
Em vez das
mágoas de agora,
Eu tinha
nessas delícias
De minha mãe
as carícias
E beijos de
minha irmã!
Livre filho
das montanhas,
Eu ia bem
satisfeito,
Da camisa
aberto o peito,
— Pés
descalços, braços nus —
Correndo
pelas campinas
À roda das
cachoeiras,
Atrás das
asas ligeiras
Das
borboletas azuis!
Naqueles
tempos ditosos
Ia colher as
pitangas,
Trepava a
tirar as mangas,
Brincava à
beira do mar;
Rezava às
Ave-Marias,
Achava o céu
sempre lindo,
Adormecia
sorrindo
E despertava
a cantar!
..............................
Oh! que
saudades que tenho
Da aurora da
minha vida,
Da minha
infância querida
Que os anos
não trazem mais!
— Que amor,
que sonhos, que flores,
Naquelas
tardes fagueiras
À sombra das
bananeiras,
Debaixo dos
laranjais!”
Em futuras crônicas, pretendo
escrever sobre outras paródias - de outros autores - não comentadas em “Nestor
Tangerini e o Café Paris”, livro publicado em 2010 e aumentado desde sua 1ª
edição até 2023 - e ainda inédito.
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