Postagens

Mostrando postagens de agosto, 2023

AVE MARÍLIA II

  AVE MARÍLIA II   Nelson Marzullo Tangerini                 Tardiamente, descobri o Correio da Lavoura. Ignorância da minha parte. Referências sobre este jornal apareceram no livro “A Baixada Fluminense e a Ditadura Militar – Movimentos sociais, repressão e poder local”, Organização de Jean Sales e Alexandre Fortes, Editora Prismas, 2016. Foi quando tive a oportunidade de me informar mais sobre a Baixada Fluminense, a resistência ao golpe de 1964, e a Dom Adriano Hipólito, Bispo de Nova Iguaçu, homem reto, perseguido injustamente pela ditadura.                Em minha primeira crônica, para este jornal histórico, “Ave Marilia!”, revelei a minha revolta e   a minha sinceridade, relatando a perseguição pela qual passamos, minha mãe e eu, quando Marília Pêra apoiava Fernando Collor de Mello. Para alguns, prevaleceu a ideia de que estaria fazendo um discurso da direita ou da extrema-direita, o que causou um mal estar entre amigos.                Quem me conhece, sabe muito bem

O PROFESSOR E O POETA III

  MOLIPPA CORACORALINAE   Nelson Marzullo Tangerini                      Descoberta por Carlos Drummond de Andrade, o Brasil inteiro, no início da década de 80, conheceria a poesia de Cora Coralina.                    Meu irmão mais velho e eu ficamos deslumbrados com o mundo da poetisa goiana que ora se descortinava.                    Uma mulher simples, doceira, oprimida por uma sociedade machista, que, mais tarde, viria a ser nome de borboleta: Mollippa coracoralinae. Foi esse o nome escolhido por Nirton Tangerini, biólogo, entomólogo e especialista em lepidóptera , ou seja, borboletas, para uma pequena mariposa encontrada em Jataí, no Estado de Goiás.                    O trabalho do Prof. Tangerini inspirou o grande poeta e cronista Affonso Romano de Sant´Anna a escrever o belíssimo texto Cora Coralina, a borboleta , publicado no jornal Estado de Minas, em 2003.                    Também o poeta jundiaiense Douglas Mondo [http://www.douglasmondo.com.br/poemas_poe

O PROFESSOR E O POETA II

  CANÇÃO AMIGA   Nelson Marzullo   Tangerini                          Em dezembro de 1980, pouco antes do Natal, enviei carta a Carlos Drummond de Andrade, pedindo-lhe escrevesse Alguma Poesia para mim e aproveitei o ensejo para enviar-lhe alguns cartões postais (da Revolução de 30) com caricaturas cubistas de meu pai.                     O poeta maior não tardou em escrever-me. Sua missiva, escrita num cartão natalino, desejando-me 1) Bom Natal e 2) Feliz Ano Novo , trazia um desenho bico-de-pena de João Guimarães Vieira e um poema seu:                                 “Uma notícia irrompe desta árvore                               e ganha o mundo: verde anúncio eterno.                               Certo invisível pássaro presente                               murmura uma esperança a teu ouvido.                                                     Carlos Drummond de Andrade.”                         Escrever poesia não é uma tarefa das mais fáceis. Poeta é

O PROFESSOR E O POETA

  AO PREZADO NELSON TANGERINI   Nelson Marzullo Tangerini                   Em setembro de 1980, iniciei uma pequena correspondência com o modernista Carlos Drummond de Andrade. A princípio, estava mais interessado em Mário de Andrade, em Oswald, em Manuel Bandeira e em assuntos ligados ao Modernismo. Nem me passou pela cabeça “tietar” o poeta itabirano. Sou desorganizado, um péssimo missivista, e não sei precisar o dia em que lhe escrevi minha primeira carta. Nem guardei cópia da referida missiva.                 Sei apenas que enviei a Drummond alguns sonetos do meu pai e alguns poemas meus. Como não consigo lembrar-me dos meus poemas enviados ao “poeta maior”, publico apenas os dois sonetos de Nestor Tangerini, meu pai. “Cenas do Rio” foi o primeiro trabalho de Tangerini publicado em letra de forma e lançado por Humberto de Campos, a 18/3/1922, em centro de página da revista “A Maçã”, que o magnífico e saudoso Acadêmico e beletrista maranhense dirigia sob o pseudônimo de

BILAC

  DOIS SONETOS DE BILAC   Nelson Marzullo Tangerini                      Um dia desses, em sala de aula, no Colégio Estadual Antônio Houaiss, onde leciono, a inspiração tomou-me por inteiro.                    Falava a meus alunos sobre como a Era Clássica, o   Classicismo [o Renascimento] e o Arcadismo haviam influenciado o Parnasianismo de Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia.                    A inspiração tomou-me por inteiro, sim, porque, apaixonado pelo tema, pela literatura, falei da Língua Portuguesa, de Camões e de Tomás Antônio Gonzaga.                    Fiz como Fernando Pessoa e retomei o tema “Navegar é preciso; viver não é preciso”.                    Não acredito que os parnasianos tenham se perdido no preciosismo da linguagem clássica, como dizem os livros; que tenham, embriagados de mitologia greco-romana, se afastado do mundo dos “mortais” – a tríade acima era Imortal; eram, Bilac, Alberto e Correia, da Academia Brasileira de Letras, f

XOKLENG

  OS XOKLENG, DE SANTA CATARINA   Nelson Marzullo Tangerini               Certa vez, no Museu do Índio, do Rio de Janeiro, RJ, assisti a uma palestra de um Xokleng, que nos contava a triste história de seu povo,   originário do hoje Estado de Santa Catarina, no sul do Brasil: suas terras foram desapropriadas pelo governo de Getúlio Vargas e entregues a colonos alemães, que, ali, cercaram terras, transformando-as em fazendas, bem como fundaram cidades em estilo alemão.                 Estive duas vezes em SC e vi os Xoleng na rodoviária de Joinville, vendendo seus artesanatos. Seus olhares eram tristes, perdidos, pois talvez estivessem pensando nas histórias – e a isto chamamos de cultura oral – que seus antepassados lhes contaram.                   Tive a mais duas oportunidade de estar com os Xokleng: uma vez, no Colégio Estadual Antônio Houaiss, onde leciono. A convite da Porfa. Germana Portella, de Artes, um grupo   Xokleng esteve naquele espaço, quando apresentaram sua

NEM TUDO ESTÁ PERDIDO

  NEM TUDO ESTÁ PERDIDO   Nestor Tambourindeguy Tangerini             Ingenuamente, pensaram ambos que, durante o dia, muito diminuta fora a concorrência do caminho aéreo do Pão de Açúcar. E combinaram um encontro, às onze horas, naquele local.             A combinação ficou assentada e, no dia seguinte, à hora marcada, lá estavam os dois no ponto inicial. Meteram-se no carrinho. Eram então os dois únicos passageiros.           Que alegria!           Pouco a pouco, porém, o carrinho se foi enchendo, até que, quando subiu, a lotação estava completa. Da Urca voltou o carrinho duas vezes para buscar passageiros, e, do Pão de Açúcar, outras tantas vezes para levar outros.           E os dois, que ali estavam na doce expectativa de um isolamento completo, viram-se, sem esperar, no meio de uma multidão de estrangeiros e nacionais, cheios de curiosidade e espanto ante a beleza do panorama.           Meteram-se no primeiro carrinho que então descia e voltaram à cidade, aborre

DESAPARECIDOS

  FERNANDO E OS DESAPARECIDOS   Nelson Marzullo Tangerini                  Nalgum canto deste país, “abençoado por deus e bonito por natureza”, repousam os restos mortais de desaparecidos da ditadura militar imposta ao país em 1964. Homens e mulheres, honrados, que pensavam em construir um novo mundo, foram presos, torturados e mortos, enquanto outros desapareceram para sempre.                Mas há quem sonhe em ver outra vez o extermínio de seres humanos, opositores do autoritarismo e de uma sociedade em que os humildes, os pobres, não têm acesso à felicidade, tão amiga dos ricos. Os “revolucionários”, usando um termo dos anos 1960, que teimam em transformar os pensamentos obtusos da burguesia, nessa terra de ninguém, estão sujeitos à vigilância, à polícia de costumes, que pune exemplarmente, com mão de ferro, os oprimidos de forma implacável.                Daí alguns saudosistas aplaudirem o genocida quando este declarou que “quem gosta de ossos é cachorro”           

TANGERINI E O ABACAXI

  TANGERINI E O ABACAXI   Nelson Marzullo   Tangerini                      Mesmo não tendo a vista direita e o braço esquerdo, o sempre bem humorado escritor Nestor Tangerini costumava fazer humor de tudo – até com amigos, a esposa ou consigo mesmo.                     “O rei do doublé-sent”, como o humorista era chamado, estava conversando, certa vez, com familiares, em sua casa, em Olaria, quando, de repente, faz brincadeira com a sua maior fã:                      “Falávamos sobre o gosto pelas frutas, quando Dona Dinah toma a palavra:                    - Nunca vi gostar tanto de abacaxi como Tangerini.                    E Tangerini, sempre brincalhão com a esposa: - Gosto tanto de abacaxi, que me casei.”                      Nos Correios, Tangerini também mexia com todos. Sempre brincalhão, o poeta costumava chamá-los para tomar uma rubiácia, ou seja, um café, no bar da esquina.                    Um amigo seu, de repartição, não escapou da gozação:  

O PULO DO CANÁRIO

  O PULO DO CANÁRIO   Nestor Tambourindeguy Tangerini                  Ali por volta de 1920, na época, portanto, em que “a escola era risonha e franca”, cursava o segundo ano da Faculdade de Medicina um gaiato rapaz que tinha por sobrenome um cantante “Canário”.                O Canário, como chistosamente lhe chamavam os colegas, à guisa de troça e de apelido, não levava nada a sério, inclusive os próprios estudos.                Zombeteiro e brincalhão, com todos pilheriava, chegando mesmo a garatujar pelas paredes versinhos em que os traços de uns e as manhas de outros eram postos em relevo, sempre, sempre, com muita graça e propriedade.                Tendo por um mestre um professor de tez avermelhada, de olhinhos fascinantes e cabelos ruivos, e que ainda por cima usava topete meio arrogante, o nosso “Canário” houve por bem cognominá-lo de “Mestre Cambaxirra”, em virtude de assemelhar-se – explicava – a um cambaxirra do brejo.                A alcunha pegou logo,

BROTHERS 4

    VERDE ESPERANÇA NAS FOLHAS VERDES DO VERÃO   Nelson Marzullo Tangerini                  Quando meu pai, Nestor Tangerini, viu os Beatles pela primeira vez, em nossa televisão Semp preto e branco, presente de sua sogra, Antônia Marzullo, minha avó materna, falou que os Fab Four não tinham talento algum e que eram quatro rapazes desastrados. E que não teriam futuro.                Muitos pensaram assim, até   aquele produtor que jogou no lixo a demo da banda. Diz a lenda que, após o estrondoso sucesso do quarteto, em outra gravadora, arrependeu-se amargamente.                Era início dos anos 1960 e os 4 rapazes de Liverpool evoluíram consideravelmente, orientados – e burilados – pelo maestro George Martins, considerado o 5º Beatle, o que Tangerini não veria, pois veio a falecer em 1966, aos 71 anos.                 Dinah, minha mãe, logo se encantou com os meninos. Principalmente, com o talentoso baixista Paul McCartney.                Porém, a banda preferida de T

HOMENSAGENS

  HOMENAGENS A PESSOAS NEFASTAS   Nelson Marzullo Tangerini                  Recentemente, lúcidos intelectuais britânicos resolveram remover estátuas e placas que homenageavam pessoas comprometidas com a escravização de africanos ou com o extermínio de ameríndios e aborígenes ou a exploração de indianos, um exemplo a ser seguido por nós, brasileiros, chegados à idolatria.                Poderíamos retirar, “sem dó nem piedade”, diversos nomes de ruas, praças, bairros, pontes e estátuas que homenageiem escravocratas e fascistas.                Comecemos, pois, com o Generalíssimo Franco, nome de rua em Bangu, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. A Rua Francisco Franco poderia chamar-se Rua Poeta Garcia Lorca,   fuzilado pelos fascistas.                Falto semelhante acontece em nossa vizinha Niterói, onde existe uma rua com nome do Coronel Moreira César, bastante conhecido no sul como “Cortador de cabeças”, em virtude de suas atividades criminosas na Guerra do Paragu